➤ Visão geral
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma das condições médicas crônicas mais comuns no mundo e representa o principal fator de risco para hemorragia intracerebral espontânea (HIC) — um tipo grave de acidente vascular cerebral (AVC).
Essa forma de sangramento cerebral não é causada por trauma, aneurismas ou malformações vasculares, mas sim pela ruptura de pequenos vasos cerebrais cronicamente danificados pela pressão elevada.
➤ Anatomia envolvida
A hemorragia cerebral hipertensiva costuma ocorrer em regiões irrigadas por artérias perfurantes de pequeno calibre, que são mais vulneráveis à ruptura.
As localizações mais comuns são:
- Tálamo – afeta sensibilidade e consciência;
- Putâmen (núcleo da base) – altera força e motricidade;
- Ponte – pode comprometer respiração e consciência;
- Cerebelo – leva a ataxia e risco de compressão do tronco encefálico.
Essas áreas são supridas por ramos da artéria cerebral média, artéria basilar e artéria cerebelar posterior/inferior.
➤ Fisiopatologia
A exposição crônica a pressões elevadas provoca:
- Espessamento das paredes arteriais;
- Lipidose e necrose fibrinoide nos vasos pequenos;
- Formação de microaneurismas de Charcot-Bouchard, que podem se romper espontaneamente.
Quando um vaso se rompe, ocorre extravasamento de sangue no parênquima cerebral, levando a:
- Efeito de massa (compressão de tecido cerebral);
- Edema cerebral periférico;
- Disfunção neurológica aguda;
- Potencial herniação (deslocamento de estruturas cerebrais) nos casos graves.
➤ Sintomas clínicos
A instalação é súbita e dramática. Os sintomas variam conforme a área cerebral afetada, mas geralmente incluem:
- Cefaleia intensa súbita, “a pior da vida” em alguns casos;
- Déficit motor agudo (fraqueza ou paralisia de um lado do corpo);
- Alterações da fala (disartria ou afasia);
- Rebaixamento do nível de consciência (sonolência, torpor, coma);
- Vômitos em jato;
- Crises convulsivas (em até 10-20% dos casos);
- Rigidez de nuca ou sinais de hipertensão intracraniana.
No caso de hemorragias cerebelares, podem ocorrer:
- Tontura intensa;
- Vômitos;
- Desequilíbrio;
- Nistagmo;
- Progressão para coma se houver compressão do tronco encefálico.
➤ Diagnóstico
Exame de imagem:
- Tomografia de crânio sem contraste: exame inicial essencial;
○ Mostra coleção de sangue hiperdensa;
○ Avalia extensão, localização, desvio de linha média, presença de hidrocefalia.
- Ressonância magnética: útil em casos subagudos ou para diferenciar lesões estruturais subjacentes.
Exames laboratoriais:
- Glicemia, eletrólitos, função renal;
- Tempo de coagulação (INR, TAP, PTT), principalmente se o paciente usa anticoagulantes;
- Avaliação da pressão arterial em série.
➤ Tratamento
A hemorragia hipertensiva é uma emergência médica, com alta mortalidade. O manejo deve ser rápido, multidisciplinar e em ambiente hospitalar.
- Controle da pressão arterial
- Meta inicial: reduzir PAS para 140-160 mmHg nas primeiras horas;
- Evitar hipotensão excessiva que possa comprometer a perfusão cerebral.
- Suporte intensivo
- Monitorização neurológica e hemodinâmica;
- Controle de glicemia, temperatura e oxigenação;
- Manejo da hipertensão intracraniana (cabeceira elevada, sedação, manitol se necessário).
- Neurocirurgia
- Indicação depende da localização e volume do hematoma:
○ Hematomas cerebelares volumosos com compressão do IV ventrículo → evacuação urgente;
○ Hematomas lobares acessíveis com efeito de massa significativo;
○ Em muitos casos profundos (putaminais, talâmicos), o tratamento é clínico.
- Reabilitação precoce
- Após a fase aguda, inicia-se a reabilitação física, fonoaudiológica e ocupacional.
➤ Prognóstico
- Depende da localização, volume do hematoma, idade do paciente e nível de consciência inicial;
- A mortalidade global da HIC é de cerca de 30–40% nos primeiros 30 dias;
- Muitos pacientes que sobrevivem podem evoluir com déficits neurológicos permanentes;
- Prevenção e controle rigoroso da hipertensão são essenciais.